Por Bernie Sanders, em A Terra é redonda
80 milhões de americanos votaram em Joe Biden.
Com estes votos contra a intolerância de Donald Trump o mundo pode, coletivamente, suspirar aliviado.
O resultado das eleições, porém, revelou também algo que deve ser motivo de preocupação.
Trump recebeu em 2020 em torno de 11 milhões de votos a mais do que em 2016, aumentando seu apoio em diversas comunidades em dificuldade – onde o desemprego e a pobreza são altos, o cuidado com a saúde e das crianças é inadequado, e as pessoas mais sofrem.
Para um presidente que mente o tempo todo, a mentira mais grotesca de Donald Trump talvez seja a de que ele, e sua administração, são amigos da classe trabalhadora de nosso país.
A verdade é que Trump colocou mais bilionários em sua administração do que qualquer presidente na história; ele nomeou membros veementemente anti-trabalhistas para o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB) e ofereceu grandiosas isenções fiscais para os muito ricos e para as grandes corporações, enquanto propunha cortes massivos à educação, à moradia e aos programas de alimentação.
Trump tentou retirar o plano de saúde de quase 32 milhões de pessoas e produziu orçamentos que demandaram dezenas de bilhões em cortes no Medicare, no Medicaid e na previdência social.
Mesmo assim, um certo segmento da classe trabalhadora de nosso país ainda acredita que Donald Trump está em seu lado.
Por quê?
No momento em que milhões de Americanos vivem no medo e na ansiedade, perderam seus empregos por causa de acordos comerciais injustos e não tiveram aumento salarial real em 47 anos, seus apoiadores o viam como um cara durão e um “guerreiro”. Ele parece estar lutando contra quase todos, todos os dias.
Ele se autodeclarou um inimigo do “pântano”, atacando não apenas os Democratas, mas também os Republicanos que não estavam 100% de acordo com ele e, inclusive, membros de sua própria administração, quem declarou pertencer ao “Estado profundo”.
Ele ataca líderes dos países que foram nossos aliados de longa data, assim como governadores, prefeitos e nosso judiciário independente.
Ele investe contra a mídia como um “inimigo do povo” e é impiedoso em seus ataques intermináveis contra a comunidade imigrante, contra mulheres que assumem sua voz, contra a comunidade Afro-Americana, a comunidade gay, muçulmanos e manifestantes.
Ele se vale do racismo, da xenofobia e da paranoia para convencer uma vasta parcela da população Americana de que ele se preocupa com suas necessidades, quando nada poderia estar mais longe da verdade.
Seu único interesse, desde o primeiro dia, foi Donald Trump.
Joe Biden será declarado presidente no dia 20 de Janeiro, e Nancy Pelosi será a porta-voz do Congresso.
Dependendo do que acontecer nas eleições especiais da Georgia, qual partido controlará o Senado ainda é algo incerto.
Mas uma coisa é clara. Se o partido Democrata quer evitar a perda de milhões de votos no futuro, ele deve ser firme e atender às famílias da classe trabalhadora de nosso país que, hoje, enfrentam a maior situação de desespero econômico desde a Grande Depressão.
Os Democratas devem mostrar, em palavras e ações, quão fraudulento é o partido Republicano quando ele afirma ser o partido das famílias dos trabalhadores.
E, para fazer isso, os Democratas devem ter a coragem de enfrentar os poderosos interesses especiais que têm estado, há décadas, em guerra contra a classe trabalhadora deste país.
Estou falando de Wall Street, da indústria farmacêutica, da indústria de combustíveis fósseis, do complexo militar-industrial, do complexo industrial dos presídios privados e muitas outras organizações lucrativas que continuam a explorar seus empregados.
Se o partido Democrata não consegue demonstrar que se levantará contra essas instituições poderosas e que lutará agressivamente em defesa das famílias dos trabalhadores deste país – sejam elas Negras, Brancas, Latinas, Asiático-Americanas ou Nativo-Americanas – iremos abrir o caminho para que outro líder autoritário de direita seja eleito em 2025. E este presidente pode ser ainda pior do que Trump.
Joe Biden concorreu à presidência com uma forte agenda a favor da classe trabalhadora. Agora, devemos lutar para que ela seja posta em ação e opor vigorosamente aqueles que se colocarem em seu caminho.
Which Side Are You On? Foi uma canção folk escrita por Florence Reece, a esposa de um organizador do Sindicato dos Mineradores quando este entrou em greve em Kentucky em 1931. Os Democratas devem deixar absolutamente claro em que lado estão.
Um lado é a favor do fim dos salários que, de tão baixos, deixam as pessoas passando fome, e defende o aumento do salário mínimo pra 15 dólares por hora. O outro não.
Um lado é a favor da expansão dos sindicatos. O outro não.
Um lado é a favor da criação de milhões de empregos bem-remunerados através do combate à mudança climática e da reconstrução de nossa infraestrutura em colapso. O outro não.
Um lado é a favor da expansão da assistência médica. O outro não.
Um lado é a favor da redução do custo de medicamentos prescritos. O outro não.
Um lado é a favor de licenças familiares e médicas remuneradas. O outro não.
Um lado é a favor da universalização do acesso à pré-escola para todas as crianças de três e quatro anos na América. O outro não.
Um lado é a favor da expansão da seguridade social. O outro não.
Um lado é a favor de tornar as faculdades e universidades públicas livres de mensalidade para famílias de trabalhadores, e da eliminação das dívidas estudantis. O outro não.
Um lado é a favor do fim de um sistema de justiça criminal falido e racista, e de investir na educação e no emprego para os jovens. O outro não.
Um lado é a favor da reforma e da transformação de nosso sistema de imigração em algo justo e humano. O outro não.
A tarefa dos Democratas durante os primeiros 100 dias da administração de Biden é deixar absolutamente claro em qual lado estão, e quem está do outro lado.
Isso não apenas é uma boa política pública para fortalecer nosso país. É como vencer eleições no futuro.
*Bernie Sanders é senador do Congresso norte-americano pelo estado de Vermont.
Tradução: Daniel Pavan.
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